A URGENTE QUESTÃO DO CADASTRO IMOBILIÁRIO FISCAL – RISCOS PARA CONTRATOS DE LOCAÇAO EM CURSO – INQUILINOS VÃO PAGAR MAIS COM AS NOVAS REGRAS ?
- Ballerini & Itani Advogados Associados
- 28 de set.
- 8 min de leitura

Resumo: O agigantamento da tributação no país com um cadastro imobiliário fiscal tende a gerar problemas graves e urgentes sobretudo com reflexos em contratos de locação vigentes, já a partir de janeiro de 2.026.
JÚLIO CÉSAR BALLERINI SILVA, ADVOGADO MAGISTRADO APOSENTADO E PROFESSOR DA FAJ DO GRUPO UNIEDUK DE UNITÁ FACULDADE - COORDENADOR NACIONAL DOS CURSOS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL, DIREITO IMOBILIÁRIO E DIREITO CONTRATUAL DA ESCOLA SUPERIOR DE DIREITO – ESD PROORDEM CAMPINAS E DA PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MÉDICO DA VIDA MARKETING FORMAÇÃO EM SAÚDE. EMBAIXADOR DO DIREITO À SAÚDE DA AGETS – LIDE, PROFESSOR DE DIREITO CIVIL NA UNIEDU K (CAMPUS FAJ) – MEMBRO DO IBDFAM.
O presente artigo não se presta a discutir ideologias, acertos ou erros de determinadas políticas governamentais, eis que, no ambiente de extremada politização que o país vive, isso seria desviar a atenção de um problema real, sério, concreto, dimensionável que enfrentarão os proprietários de imóveis no país, e sobretudo aqueles que, por exemplo, por contrato aderiram ao pagamento dos tributos incidentes sobre tais bens imóveis nos contratos de locação.
Historicamente as pessoas não reclamavam do pagamento de imposto sobre propriedade imobiliária, pois na realidade própria de um Município, em que o risco de impopularidade é fatal para prefeitos, que estão próximos de seus eleitores, se observou a prática de aplicação de impostos territoriais, mais brandos porque a base de cálculo dos tributos se fazia pelos conhecidos valores venais, muitas vezes desatualizados.
Vale lembrar que o valor venal seria uma estimativa de preço (preço de venda) que não corresponderia a um valor de mercado, eis que o valor venal, em verdade, considera critérios como a localização, a área, o padrão construtivo e a idade do imóvel, e não reflete necessariamente o preço de uma negociação real entre comprador e vendedor.
Com isso as pessoas vem vivendo há décadas, e com sacrifício geralmente, tem conseguido manter seus imóveis. Ocorre que a Reforma Tributária, certamente visando atender a interesses daqueles avessos a uma economia de mercado (em verdade a Constituição Federal estabelece um ideário de respeito, até então de valores da livre iniciativa e da livre concorrência – por exemplo artigo 1º, inciso IV e 170, inciso IV), altera essas bases.
Em primeiro lugar, porque altera a ideia de um respeito à municipalização, já que centraliza poder em comitês centrais federais, que arrecadam e distribuem as parcelas para cada Município.
Mas agora, em completo desrespeito, se criam, de modo paulatino (e não de uma só vez) um quadro asfixiante de mantença da propriedade privada e de respeito a contratos, alterando bases mínimas de segurança jurídica, de forma a gerar um caos nas relações econômicas imobiliárias.
Ora, já de algum tempo se buscava a ideia de aumentar o controle sobre os valores reais de mercado se aventando de um cadastro imobiliário, que seria uma espécie de CPF de um imóvel, em analogia de fácil compreensão por um leigo.
Este cadastro surgiu como forma de identificar e facilitar a troca de informações cadastrais de imóveis entre as administrações tributárias federal, estaduais, distrital e municipais, nos termos do art. 59 da LC 214/25, para a otimização da gestão e fiscalização dos tributos (IBS e CBS).
Ocorre que em 15 de agosto de 2.025, portanto não se está falando em conjecturas, foi publicada a Instrução Normativa – IN – 2.275 que, dentre outras medidas, dispõe sobre a implantação do cadastro imobiliário brasileiro "CIB", que deve ser observada e informada pelos serviços notariais e registrais em todas as operações praticadas.
Ou seja, a cada operação imobiliária realizada pelos serviços notariais e registrais, os dados devem ser compartilhados entre as administrações tributárias federal, estaduais, distrital e municipais, alimentando um banco de dados e informações compartilhado simultaneamente.
No futuro breve, será muito mais célere o questionamento sobre os valores das operações, apuração de operações não declaradas (doações realizadas como contratos de compra e venda), dentre outras.
Já a partir de janeiro de 2.026 com os cruzamentos de dados de modo mais eficiente pelo Fisco, se terá que por esse "Cadastro Imobiliário fiscal" que se refere à inscrição de um imóvel no registro do município para a cobrança do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) e outros fins fiscais, podendo incluir o novo Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB) e o Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais (Sinter), previstos na reforma tributária para centralizar e dar maior transparência aos dados dos imóveis no país.
Com isso, muito provavelmente os valores venais que hoje se estimam com base em critérios de localização e metragem, geralmente em planilhas desatualizadas em cadastros, passarão a refletir a realidade do que aparece nas escrituras e registros.
Foi-se então o tempo do carnê de IPTU de mil reais mensais, em parcelamento. Pense-se que numa transação em cartório por um milhão de reais, o IPTU anual será de quarenta mil reais, ou, num parcelamento mensal em doze vezes, algo em torno de três mil e quinhentos reais mensais (literalmente mais que o triplo). E todo ano, daí para mais.
Sem contar que muitos contratos de locação em curso, estabelecem que os inquilinos terão que pagar o IPTU, certamente, com essa elevação, imóveis serão desocupados e com grande dificuldade para serem novamente locados.
Acresça-se a isso o fato de que o carnê leão também ficou mais salgado, já que ao invés dos habituais 15% ao mês, a tributação subirá para mais de 27%. Se o locador queria ficar com dois mil reais mensais, alugaria por dois mil e trezentos reais, pois retirava 15%.
Agora, para retirar os mesmos dois mil reais mensais, o locador terá que alugura a dois mil quinhentos e quarenta reais, sem contar o implemento do valor do IPTU que será muito majorado.
Não se pode ser ingênio de pensar que o locador irá buscar de ganhar, eis que aqui se tem o fenômeno da mão invisível do mercado de Adam Smith, de modo que, pelo óbvio, mais uma vez, quem sofrerá os impactos dessa variação, serão os mais pobres, os que não tem imóveis para morar e vivem de aluguel.
Isso porque o valor mensal subirá muito, ou se terá que ir para um imóvel menor, em uma localização não tão boa assim. E hoje a localização, nas grandes cidades, pode trazer grandes problemas (mais tempo e maior gasto em transporte, questões de segurança, dificuldades de alocação de crianças e adolescentes em escola etc).
Certamente que o Governo terá que rever tais medidas, ou confirmar que quer, mesmo impor esse problema por questões ideológicas, o que, num mais em que a constitucionalidade fosse levada numa análise rigorosa, tais medidas fiscais, antes de gerarem a tal justiça social, impactarão os mais vulneráveis, de sorte que tal que, no mínimo, haveria aí uma discussão em torno de situações de solidariedade constitucional (artigo 3º e consectários CF).
Ou seja, se terá que isso permitirá a formação de guetos de exclusão e marginalização social, não respeitando a formação de uma sociedade justa e solidária. Sem contar que isso abala o direito socia de moradia de uma pessoa residente e domiciliada no território nacional (artigo 6º CF).
E nessa carga tributária, pelo óbvio, se está chegando próximo à ideia de uma carga confiscatória, num ambiente constitucional que deveria prestigiar, como apontado acima, os valores da livre iniciativa.
Os intérpretes da Constituiçao, por mais que digam abertamente que adotam tal ou qual ideologia, o que certamente influe no modo de interpretação (Giuseppe Lumia[1]) não podem simplesmente mudar a ordem econômica sem uma justificativa muito forte (e como visto não se cuida de tributar os mais ricos como apontado acima).
A saída seria a troca do comando na Economia do país, numa postura de desregulamentação que afaste esse tipo de tributação exacerbada, que acaba sendo derivada diretamente no modo do Poder Executivo ditar os critérios de interpretação de normas baixadas pelo Poder Legislativo (este não tem se imposto, nem um pouco, no que tange a prelados de indepedência ou sistema de freios e contra-pesos).
Nos países que adotam a Common Law, em que o intervencionismo econômico não se faz de modo tal exacerbado, se aplica a regra do no taxation without representation, mote que redundou na chamada Revolta do Chá, num erro histórico da Coroa Britânica que perdeu as colônias dos Estados Unidos da América por ter perdido a mão na tributação[2].
De lá para cá, o sistema econômico mais liberal que apregoa que não se deva punir a classe média tem sido muito mais eficiente na eliminação da pobreza (sem classe média para fazer a economia circular, o desastre é previsível de modo muito claro – sem classe média o consumo cai, o que, em curto tempo compromete a empregabilidade e volume de vendas – quem não vende não contrata, que não é contratado não tem salário e também não consome – sem vendas a própria arrecadação cai).
Há uma enorme lógica nessa análise (sabe-se que há fatores que podem ser mais complexos em um outro nicho específico, mas em linhas gerais essa é a regra), por isso que nos EUA se tem pontuado no sentido de que todos pagam, quanto todos pagam pouco.
Se a carga tributária for justa, as pessoas não irão buscar subterfúgios complexos se expondo a riscos desnecessários, tendendo a pagar os tributos de modo voluntário, pois isso será mais econômico (não gastarão ou envidarão esforços para esconder patrimônio).
Mas quando a sociedade se convence de que há um ralo de corrupção endêmica, que os recursos públicos são desperdiçados ou desviados sem cumprir as funções mínimas do Estado, não há aceitação na perda dos esforços do trabalho nesse tipo de espiral. A carga tributária se revela, em casos como este, como uma coisa completamente ilegítima.
E isso afasta toda e qualquer possibilidade de investimento, veja-se que a falta de regras claras ou segurança jurídica quanto ao patrimônio, ao equilíbrio fiscal, os investidores se afastam, empresas fecham suas portas no país, o capital foge. E, com essas medidas que se tem aplicado e que atingem, agora, diretamente o setor imobiliário, o setor irá ter que buscar realinhamentos.
Pelo óbvio que essas regras mais duras, levarão ao aumento de judicialização, pois se imagine que alguém, de boa-fé, pague todo ano o IPTU que lhe é enviado, num valor venal mais baixo, e que, agora, nessas novas regras, de apure que o valor de mercado seria maior.
Ora, o Estado irá buscar dizer que se pagou o imposto a menor e se irá tentar receber diferenças, enormes como se mostrou, e que o que não se venceu há mais de cinco anos não estaria prescrito e começa a enviar os nomes das pessoas a protesto por impontualidade.
Ou ainda se imagine que a pessoa não pague e que isso leve ao início de apuração de sonegação fiscal, ou ainda o inquilino seja surpreendido com esse aumento de IPTU que lhe cabe pagar por força de contrato.
Tem-se ai, alguns poucos exemplos em torno do que deveria ter sido pensado, e como o governo não tem neófitos certamente pensou mas não se importou porque talvez queira isso, pelo modo como se tenderá a aumentar o número de demandas no país.
Haverá, no âmbito fiscal um boom de medidas fiscais de revisão (ano a ano), e no âmbito contratual um boom de ações revisionais de contrato a luz da teoria da excessiva onerosidade, questões de distratos e inadimplementos e por aí vai.
Isso implica num custo enorme para a máquina judiciária nacional, de sorte que esse custo exasperado deveria ter sido avaliado antes do anúncio de medidas como esta. Por isso já se observa um enorme desaquecimento no setor imobiliário, o que, em curto prazo redundará em problemas sociais que não será de fácil solução.
Certamente que esse cenário será desafiador para os advogados que atuam no direito imobiliário pois haverá uma grande massa de discussões em contratos, o que traz à reflexão.
[1] Elementos de Direito e Ideologia, Ed. Martins Fontes.
[2] Se recomenda, com urgência, a leitura da obra A Marcha da Insensatez, de Bárbara Tuchmann para que se perceba como erros históricos provocam crises que poderiam ter sido evitadas e que tem graves impactos.




Comentários