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Procedimento Instrutório Tetrafásico ATIVIDADE DE INSTRUÇAO PROCESSUAL QUE LEVA A QUE PROVAS SEJAM VALORADAS SE ADMITIDAS

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    Ballerini & Itani Advogados Associados
  • 18 de set.
  • 19 min de leitura
Professores José Rogério Cruz e Tucci e Júlio César Ballerini SIlva
Professores José Rogério Cruz e Tucci e Júlio César Ballerini SIlva


Resumo: Análise da questão sobre como fazer a motivação incidir sobre provas produzidas desde que admitidas.


JÚLIO CÉSAR BALLERINI SILVA, ADVOGADO MAGISTRADO APOSENTADO E PROFESSOR DA FAJ DO GRUPO UNIEDUK DE UNITÁ FACULDADE - COORDENADOR NACIONAL DOS CURSOS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL, DIREITO IMOBILIÁRIO E DIREITO CONTRATUAL DA ESCOLA SUPERIOR DE DIREITO – ESD PROORDEM CAMPINAS E DA PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MÉDICO DA VIDA MARKETING FORMAÇÃO EM SAÚDE. EMBAIXADOR DO DIREITO À SAÚDE DA AGETS – LIDE, PROFESSOR DE DIREITO CIVIL NA UNIEDU K (CAMPUS FAJ) – MEMBRO DO IBDFAM.

 

 

A questão aqui debatida envolve o dever de motivação judicial, mas sobretudo tem a ver com a ideia de processo justo, ou seja, como pontua José Rogério Cruz e Tucci (Constituição de 1.988 e Processo), sem que ocorra a interpretação justa de normas processuais não há devido processo legal.

E a questão tem a ver ainda com a questão do acesso ao contraditório efetivo. Infelizmente, por vezes, se tem empregado a ética utilitarista sobre fins justificando meios (ora, a parte tem dez argumentos e eu não tenho tempo para analisá-los, logo a IA que regulei montará uma solução que não passe por elas), o que é algo muito grave.

Isso gera a sensação no jurisdicionado e no operador do direito, de que o contraditório se emprega por ficção, um contraditório pífio, com o risco enorme de que, de fato, erros judiciários ocorram e que vão sendo perpetuados de uso de IA em uso de IA ou de falta de tempo de leitura, até a última instância possível, nos filtros de jurisprudência defensiva.

E o contraditório e o devido processo legal devem ser efetivos e não meramente simbólicos com o cumprimento de fórmulas legais, já que se cuida de valores essenciais em uma democracia real (que não pode ser simbólica), havendo grande dificuldade em se fazer a Suprema Corte analisar tais violações (por conta do entendimento que se tem dado nesta Corte aos temas repetitivos 339 e 660).

Ora, sabido que desde a Magna Charta Libertatum, na Inglaterra de 1.215, quando o Rei João Sem Terras teve que conter uma revolta de barões em insurreição, abrindo mão do poder absoluto do soberano (ainda que de modo incipiente, primeiramente em favor de barões e membros da nobreza), passou a haver uma preocupação mais ou menos dirigida no sentido da consecução de processos mais justos e menos despóticos para efeitos de submeter alguém aos efeitos negativos de uma decisão judicial.

Em tradução literal, contraditório expressa a realidade de se poder falar contra (contra dicere) o que expressa a ideia básica por trás da ideia. Há uma garantia de que aquele que esteja sendo submetido a um processo (autor, réu ou mesmo o terceiro, parcial ou imparcial – como no caso do MP como custus legis), em sendo esse processo obrigatoriamente justo (fair hearing), tem que ter o seu direito de manifestação a respeito dos atos e fatos do processo, assegurado.

Tal garantia que implica em liberdade pública assegurada pelo artigo 5º, inciso LIV CF passou a ser garantida também pelo CPC (artigos 7º, 9º e 10º, por exemplo[1]). Vale ademais apontar no sentido de que por se cuidar de direitos fundamentais (fundamental right, não se pode pretender que sejam interpretadas as garantias de modo restrito, devem ser interpretadas de modo aberto, para que o Estado seja considerado democrático e de direito).

A interpretação a ser feita nestes casos é aberta (in numerus apertus) e não de restrito (numerus clausus) sob pena de geração de racchet effect – o efeito cliquet que veda retrocessos sociais no país.

Esse princípio, de acordo com Canotilho, significa que é inconstitucional qualquer medida tendente a revogar os direitos sociais já regulamentados, sem a criação de outros meios alternativos capazes de compensar a anulação desses benefícios (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição . 5ª ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 336[2]).

Assim, pelo princípio da vedação do retrocesso dos direitos fundamentais, é vedado ao legislador com destaque para as citações realizadas pelo Ministro Luiz Fux do STF, na ADI4350/DF:

 

O princípio da vedação ao retrocesso social revela-se, na compreensão de Felipe Derbli, como uma: [... “Constitui o núcleo essencial do princípio da proibição de retrocesso social a vedação ao legislador de suprimir, pura e simplesmente, a concretização de norma constitucional que trate do núcleo essencial de um direito fundamental social, impedindo a sua fruição, sem que sejam criados mecanismos equivalentes ou compensatórios. [...]” Segundo as valiosas lições de Canotilho: “[...] O princípio da proibição de retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efectivado através de medidas legislativas (...) deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam, na prática, numa anulação, revogação ou aniquilação pura e simples desse núcleo essencial.”

 

Não se pode negar que a questão de garantia de acesso à Justiça (Mauro Cappeletti e Bryant Garth) seja inequivocamente uma questão atinente à discussão dos direitos humanos no país, logo deveria ser interpretada in numerus apertus.

O mesmo vale para a questão do dever de motivação de uma decisão, que é uma garantia para o jurisdicionado no sentido de que possa ser convencido racionalmente das razões do acerto ou desacerto de seu comportamento quando vier a ser julgado, reforçando-se a garantia da imparcialidade.

Pelo óbvio quando o juiz explica o modo como formou sua convicção isso se presta a conferir maior legitimidade ao julgado (não se convenceu o magistrado fundado em situação de perseguição ou benefício de uma das partes, não decidiu desse ou daquele jeito porque recebeu vantagens etc).

Isso legitima o Poder Judiciário que, como apontava Ada Pellegrini Grinover, no clássico Teoria Geral do Processo, tem como fundamento político de sua existência a imparcialidade, sem ela, em tese, o Estado poderia ser de bipartição de poderes, como se dá em outras Nações.

Assim nas democracias participativas (assim aponta Michele Taruffo) – e nossa Carta Política parece nos ter legado tal vocação, a motivação não se contenta mais apenas com os aspectos endoprocessuais (convencimento de que se tenha feito Justiça entre as partes) mas é dotada de aspectos exoprocessuais (a sociedade deve ser convencida de que se faça Justiça em todos os casos – o Estado deve convencer a sociedade de confiança – Justified Trust de que os atos do Poder Público são confiáveis – sem isso não há base para se falar em presunção de legalidade – Alain Peyrefitèe – A sociedade de Confiança).

Expostas todas essas questões e complexidades do tema, se tem que se deva garantir à parte o direito, não apenas de se manifestar, mas igualmente, tal direito gera expectativas justas – verdadeiros direitos públicos subjetivos dos jurisdicionados, no sentido de que tais manifestações sejam valoradas pelos magistrados.

Por força de uma certa globalização processual (os transnational principles rules expressamente validados no Projeto do Ministro Luiz Fux) a visão do sistema de Common Law passa a ser mais difundida na jurisprudência de nossas Cortes, e assim o contraditório passa a ser visto como a somatória de right to speech, right to be heard e right to evidence).

Em linhas gerais, deve-se permitir à parte que fale (right to speech) sobre seus pedidos, requerimentos, argumentos, exceções e pretensões (sempre com responsabilidade a luz da ideia de eticidade e de lealdade processuais), mas deve o Magistrado igualmente cumprir seus deveres garantindo-se que a parte foi ouvida (right to be heard), e se permitindo que a mesma se desincumba de seus ônus probatórios, com o direito de produzir provas (right to evidence[3]).

Logicamente juízes não são obrigados a se manifestar sobre linha a linha, parágrafo a parágrafo de uma peça processual (isso desencadearia má-fé já que quem não tem razão falaria muito para cavar nulidades de algibeira por exemplo), mas inegável que se atribua aos mesmos o dever de manifestação sobre tudo aquilo que possa à prolação de decisão em sentido diverso do decidido (os fundamentos suficientes ou obter dicta).

Do mesmo modo, deixar falar e se manifestar no sentido de que se leu mas a parte não provou o que deveria, deve ser entendido nesse tríplice visão do contraditório, com certa dose de parcimônia, já que, infelizmente, por vezes, magistrados acabam por cercear o direito à produção de provas com fórmulas ilógicas (sempre digo que isso ocorre mais pela falta de análise adequada do que por má-fé, como magistrado aposentado sei que a grande maioria dos juízes e serventuários atua na mais lídima boa-fé).

E explico o meu ponto de vista: Basta ver as célebres decisões que alegam como não há mais provas a produzir julgo o feito no estado, e como o autor não provou o que deveria julgo improcedente.

Ora, se a parte autora especificou provas orais ou periciais ou efetuou requerimentos de exibição documental com base, por exemplo, na Súmula 372 STJ, e o juiz vai e julga no estado sem essas provas, deveria, no mínimo explicar por que as provas especificadas não seriam úteis ou não se justificariam de serem produzidas (não se tem visto isso em decisões, o que leva a um cerceamento). A jurisprudência do STJ sobre esse tipo de questão e já no ambiente do CPC atual é clara quanto a isso:

STJ - AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL: AgInt no AREsp 1406156 SP 2018/0313882-5 Jurisprudência Acórdão publicado em 01/07/2021 Ementa: PROCESSUAL CIVIL. JULGAMENTO ANTECIPADO. INDEFERIMENTO DE PROVAS. CERCEAMENTO DE DEFESA CASO CONCRETO. OCORRÊNCIA. 1. Configura cerceamento de defesa o procedimento adotado pelo magistrado que indefere o pedido de produção de provas oportunamente especificadas e, na sequência, julga improcedente o pedido exatamente por falta de comprovação do alegado. Precedentes. 2. Hipótese em que o magistrado julgou antecipadamente improcedente ação indenizatória, por ausência de provas, mas não permitiu a sua produção devidamente requerida. 3. Agravo interno não provido.[4]

 

 Pelo óbvio que isso implica em julgamento por verdadeiros SOFISMAS [5] o que é vedado até por uma situação de preclusão lógica pro judicato neste caso. Em boa-fé processual objetiva, quem especifica as provas em verdade tem justas expectativas de sua produção e não pode ser surpreendido com julgamentos no estado – ora, em casos como tal, que não se tivesse nem mesmo consultado as partes sobre a especificação.

Ora o Estado lato sensu deve ser eficiente (artigo 37, caput CF), e juízes tem o dever de motivar suas decisões (artigo 93, IX CF) obviamente que não se pode suprimir o dever de motivação a que as partes têm direito sem que impeça o fluxo regular de tramitação de processos.

Os administradores públicos como aponta Walter Ceneviva[6] tem o desafio de solucionar esse tipo de situação pois se candidataram em projetos e com o ônus de solução de tais problemas, e a população, por vezes, tem que se manifestar e se mobilizar ou o sistema político se acomoda sem resolver o problema buscando outros mais urgentes ou interessantes ao administrador (aqui destaco a iniciativa da OAB Paulista que criou uma Comissão de Notáveis para estudar esse fenômeno).

A opção deve ser clara no sentido de que se deva aumentar a estrutura e não investir apenas em tecnologia. Quanto o maior o volume de processos e menor a estrutura judiciária, cada vez mais máquinas que não são inteligentes na verdade, mas repetem códigos de modo mecânico, e não tem sensibilidade para aferir o que seja justiça ou não vão decidir a vida das pessoas.

Por isso sugiro em aulas de processo, aos meus alunos, já produzam atas notariais com suas peças iniciais (petições iniciais, contestações, recursos etc) para que, ao menos em sede unilateral o julgador saiba e possa avaliar que a parte tem elementos relevantes para ampararem sua pretensão à produção de provas (right to evidence) e vão sempre despachar pessoalmente com a autoridade que, em última análise, é pessoa humana e tem sensibilidade para aferir o que a IA não tem.

Não se pode fugir disso, e ainda mais com um tema delicado como este, pois agora se passa ao cerne da questão a ser analisada, um modo de resolução desse tipo de problema passa pela ideia de que para cada prova seja produzida, já que, como visto até agora, em decorrência do contraditório pleno deve-se assegurar o direito à plena produção as provas que forem necessárias à demonstração da versão aduzida no processo e isso deve ser ajustado num ambiente de saneamentos participativos e pode levar à suscitação de esclarecimentos em cinco dias após a publicação desse tipo de decisão, nos termos do artigo 357 CPC e seus consectários.

 

Ou seja, não obstante o processualista alemão Joseph Goldschmidt nos tenha legado a ideia de que ônus sejam imperativos do próprio interesse, ou seja, processo é algo que envolve riscos e quanto mais ônus a parte se desincumbe maior a chance de sucesso – e não obstante haja ônus em relação às provas, necessário se faz apontar que a questão do ônus probatório não se confunde com o direito de produzir provas, este em situação correlata com a discussão do contraditório pleno (brinco em sala de aulas que ninguém seja obrigado a provar nada, mas quem prova mais chora menos).

De igual sorte, portanto, de se demonstrar, caso a caso, que a supressão da oportunidade ou a frustração das justas expectativas com o direito à prova, com a pontuação a respeito de prejuízos processuais efetivos, do contrário por incidência da mesma instrumentalidade das formas[7], não haverá qualquer nulidade – não basta alegar o cerceamento sem demonstrar o prejuízo processual efetivo e concreto que a falta da prova gerou.

Daí a importância, no momento do saneamento participativo, de se indicar com clareza qual a prova e sua necessidade efetiva para a elucidação de pontos controvertidos (tecnicamente questões). Se comprovada e justificada a necessidade, demonstrando a controvérsia efetiva a prova deverá ser produzida, sob pena de cerceamento.

No mínimo para que o magistrado julgue no estado, se a parte tiver especificado provas, há o especial dever de demonstrar que a prova buscada seria desnecessária ou inútil, sob pena de cerceamento, o que é muito difícil afirmar por mais que exista um livre convencimento motivado e uma persuasão racional pois não se conhece de antemão a prova em sua plenitude, por isso que, na dúvida, se deva permitir o acesso à prova.

O que tem passado a latere nesse tipo de discussão e aí convém estudar os autores clássicos, é a questão processualmente elegante, mas igualmente prática, asseverada por Moacir Amaral dos Santos, pois prova é um meio que permite às partes buscarem participar na formação do convencimento do juiz a respeito dos fatos do processo, mas como a prova é ato processual, a mesma se produz, também por um procedimento.

Aqui se tem a ideia do procedimento instrutório. Cada prova tem a sua produção em quatro fases, por vezes aglutinadas em duas ou três fases de cada vez a depender de sua natureza. Isso porque o operador do direito não observa que cada vez que pretende produzir qualquer tipo de prova se passa por quatro fases distintas.

Em primeiro lugar, se apresenta uma postulação, um requerimento enquanto fase inicial para a produção da prova (o CPC aponta que a parte tenha o ônus na petição inicial e mesmo em contestação de requerer e apresentar as provas que deseja produzir).

Muito importante compreender a existência de uma segunda fase, que seria a admissibilidade da produção. Nesse momento o magistrado irá analisar se a prova é relevante (por exemplo aplicando-se os parâmetros dos artigos 374[8] e 375 CPC), mas também se as provas buscadas a se produzir seriam lícitas e legítimas.

Aqui é o momento que muitos magistrados não percebem e que podem levar a nulidades em julgamentos. Pois ao não determinar a exclusão de alguma prova do processo, ou ao não indeferir sua produção, o magistrado admite ainda que implicitamente que a prova é útil e legal bem como legítima.

A terceira fase é a da produção (audiência para as orais, por exemplo, análise dos documentos apresentados etc.). E isso é importante, a última fase é a da valoração. Ou seja, esse é o ápice da fase instrutória, pois aí o magistrado irá analisar a prova produzida e dar-lhe o valor ou crédito que ela merecer.

Ora como dito acima, se o juiz admitiu e não indeferiu reconheceu a relevância daquela produção, logo teria que valorar a prova produzida, não pode simplesmente ignorá-la. Isso é importantíssimo pois tal ignorância de algo que se reconheceu relevante gera cerceamento, gera processo em desacordo com a interpretação justa de regras processuais e gera deficiência de motivação.

Assim, em síntese, primeiro se postula (se pede) a produção da prova, o Juiz a admite ou não. Se a admitir a mesma deve ser produzida, mas não é só, se houve admissão o Juiz se encontra obrigado a valorá-la – analisá-la. Se não o fizer haverá cerceamento, pois, a admissão aceitou que a prova seria reconhecida como relevante.

Se o Juiz não analisa prova que admitiu há manifesta preclusão lógica e isso pode gerar violação do contraditório efetivo (cerceamento).

Em algumas situações estas fases estão aglutinadas, pois, por exemplo, pense-se nos documentos juntados com a petição inicial (nesta petição se pede a produção, se o juiz determina a citação, sem mandar retirar os documentos dos autos, implicitamente, os admitiu e eles já se encontram produzidos – mais ainda faltará valorá-los).

Uma dica que recomendo aos meus alunos, se for reclamar da apreciação de algum documento que estava nos autos e não foi valorado, de se estabelecer que houve admissão com reconhecimento tácito da sua relevância e licitude, mas já agregue, preferencialmente em embargos de declaração, para garantir o pré-questionamento, a demonstração de prejuízos concretos que indiquem a impossibilidade de aplicação da instrumentalidade das formas.

Ao pedir a produção de provas orais, demonstre a relevância, preferencialmente já juntando declarações prévias do que as mesmas agregarão aos fatos, pois o juiz, para não considerar que a prova seja unilateral, irá designar audiência para a garantia do contraditório – e se não o fizer, o Tribunal, em revisão avaliará de melhor forma o prejuízo gerado pela falta de valoração adequada disso.

Sem contar que, insista-se, o juiz que determina que as partes especifiquem provas, reconhece que não pode julgar no estado (do contrário a providência preliminar de julgamento, ou seja, a especificação seria inútil e protelatória – se causa já estava madura, competia ao juízo julgá-la de plano, sob o prisma lógico), estará frustrando justas expectativas de produção das provas que se especificou.

Se o magistrado não esclarecer tal situação de preclusão lógica estará se encaminhando rumo ao cerceamento, ou, no mínimo, estaria permitindo surpresa excepcional, ou não admitida situação de decisão surpresa (verdadeiros atos de tu quoque processual em cláusula doutrinária incompatível com a boa-fé objetiva gerando ato com abuso na visão tradicional), gerando terceira via, ou seja, quando o autor apresenta a sua via de teses e fatos (primeira via), o réu traz a outra (segunda via), não sendo admitido que o magistrado opte por situações completamente novas em relação às quais não se permitiu manifestação prévia anterior (terceira via), ou que atue em preclusão lógica.

E isso ainda acarreta mais uma situação, pois  se o Magistrado surge com argumento novo, sobre o qual as partes previamente não se manifestaram, surge violação ao contraditório efetivo. Aliás, o CPC em sua busca salutar por um fair hearing (ambiente de processos justos) que reforce a justified trust[9], expressamente estabelece que se o Juiz for aduzir algum argumento novo, por exemplo, uma matéria de ordem pública que possa ser conhecida de ofício[10], deverá previamente avisar as partes a respeito disso, colhendo-se manifestação prévia.

O mesmo intuito faz com que agora, quando se observa a interposição de embargos de declaração, que podem sim, ter eficácia infringente se isso for necessário à supressão de omissões, obscuridades ou contradições[11], se colha previamente a manifestação da parte contrária antes da análise do recurso[12].

Mais, é importante que não se esqueça, por trás de tudo isso, há um dever dos juízes em colaborarem com as partes na busca da consecução de decisões judiciais satisfativas, dentro de um prazo razoável (artigos 4º e 6º CPC com artigo 5º, LXXVIII CF) e isso revela intensa necessidade de que se evitem ou previnam atos que levem à uma demora excessiva sobretudo quando houver preclusão lógica.

No entanto, se reconhece que Justiça célere, como bem advertem Nelson Nery Jr e Rosa Maria Andrade Nery, em conhecido Comentário ao CPC, não é sinônimo de Justiça Fulminante.

Assim, não se pode utilizar a celeridade como bandeira para sacramentar violações ao contraditório e à ampla defesa – tudo dependerá do manuseio adequado de técnicas de ponderação (concepção que nos foi trazida por Norberto Bobbio, mas que pode ser encontrada em autores como Celso Lafer com sua lógica do razoável a partir de postulados de Hannah Arendt), demonstrando-se sempre prejuízos efetivos e se lembrando que as normas processuais devem ser interpretadas com proporcionalidade e razoabilidade (artigo 8º CPC).

Se as partes não cooperarem/colaborarem entre si, há possibilidade de reconhecimento de litigância de má-fé (para atos intencionais, ou seja, que evidenciem o dolo do improbus litigator) mas se juízes não colaboram/cooperam com as partes, disso, em havendo prejuízo, pode haver nulidade pelo cerceamento, eis que respeitar o contraditório é condição sine qua non para que o processo produza resultados e efeitos concretos na realidade dos fatos.

Sobre a questão aponta Humberto Theodoro Jr. no sentido de que haveria, mesmo, um princípio de comparticipação que daí poderia ser extraído (ou seja, cumprir-se o contraditório implica em respeito à participação que se espera de todos os participantes do processo, inclusive juízes):

 

"O principal fundamento da comparticipação é o contraditório como garantia de influência e não surpresa. [...] Nesse sentido, o princípio do contraditório receberia uma nova significação, passando a ser entendido como direito de participação na construção do provimento, sob a forma de uma garantia processual de influência e não surpresa para a formação das decisões. [...] Assim, diferentemente de mera condição para a produção da sentença pelo juiz ou de aspecto formal do processo, a garantia do contraditório, como veremos a seguir, é condição institucional de realização de uma argumentação jurídica consistente e adequada e, com isso, liga-se internamente à fundamentação da decisão jurisdicional participada – exercício de poder participado “ In THEODORO JÚNIOR, Humberto. et al. Novo CPC: Fundamentos e sistematização. Rio de Janeiro: Forense, 2015. P. 63-64.

 

 


[1] Mizael Montenegro com pragmaticidade impar aponta de modo claro que a opção no CPC atual (2.015) pela colocação de liberdades públicas já garantidas no texto constitucional também na legislação ordinária, para muito além de realçar a importância com tais temas, aponta um evidente aspecto prático, que seria a possibilidade do operador desafogar o STF e passar a reclamar de violação a tais princípios também por negativa de vigência ao texto legal, direcionando parte substancial dos operadores para o STJ. Isso é de pragmatismo ímpar.

[2] Nesse sentido aponta Flávio Martins, a respeito do tema, dizendo muito em pouco: O fenômeno pode ser chamado de “proibição do retrocesso”, “vedação do retrocesso”, “ratchet effect” (no inglês) ou “efeito cliquet” (no francês). Essas últimas expressões, que numa tradução literal, são “efeito catraca” (expressão que, decorrente do alpinismo, significa o movimento que só permite o alpinista ir para cima, ou seja, subir, já que os pinos de sustentação estão sempre acima do alpinista). A expressão foi usada na jurisprudência do Conselho Constitucional francês (cliquet effet) para fornecer proteção especial para certas liberdades, declarando inconstitucional a lei que, em vez de torná-los mais eficazes, restringem-nos excessivamente. Por exemplo, na Decisão n. 83.165 DC, de 20 de janeiro de 1984, o Conselho Constitucional considerou inconstitucional a revogação total da lei da liberdade acadêmica, de 12 de novembro de 1968, sem substituição de uma nova lei para amparar os respectivos direitos. Um dos maiores defensores da proibição do retrocesso foi o professor de Coimbra José Joaquim Gomes Canotilho, segundo o qual, após sua concretização em nível infraconstitucional, os direitos sociais assumem, simultaneamente, a condição de direitos subjetivos a determinadas prestações estatais e de uma garantia institucional, de tal sorte que não se encontram mais na esfera de disponibilidade do legislador, no sentido de que os direitos adquiridos não mais podem ser reduzidos ou suprimidos, sob pena de flagrante infração do princípio da proteção da confiança (por sua vez, diretamente deduzido do princípio do Estado de Direito), que, de sua parte, implica a inconstitucionalidade de todas as medidas que inequivocamente venham a ameaçar o padrão de prestações já alcançado. Nas palavras do professor português: “a ideia aqui expressa também tem sido designada como proibição de ‘contra-revolução social’ ou da ‘evolução reacionária’. Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos (ex: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional a um direito subjetivo. (...) O reconhecimento dessa proteção de ‘direitos prestacionais de propriedade’, subjetivamente adquiridos, constitui um limite jurídico do legislador e, ao mesmo tempo, uma obrigação de prossecução de uma política congruente com os direitos concretos e as expectativas subjetivamente alicerçadas. A violação do núcleo essencial efetivado justificará a sanção da inconstitucionalidade relativamente a normas manifestamente aniquiladoras da chamada ‘’justiça social’”.

[3] Há vários julgados do STJ e do STF com menção aos trabalhos de Nicoló Trocker a respeito desse tema, qual seja o right to evidence.

[4] E também outras Cortes: TJ-RS - Apelação 50228068820198210010 CAXIAS DO SUL Jurisprudência Acórdão publicado em 27/02/2024 Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. EMBARGOS À EXECUÇÃO. - CERCEAMENTO DE DEFESA. MATÉRIA FÁTICA. HÁ CERCEAMENTO DE DEFESA PELO JULGAMENTO NO ESTADO DO PROCESSO QUANDO A PARTE DE FORMA JUSTIFICADA INDICA A NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVAS PERTINENTES E QUE PODEM SER INDISPENSÁVEIS À ADEQUADA SOLUÇÃO DO FEITO. CIRCUNSTÂNCIA DOS AUTOS EM QUE SE IMPÕE DESCONSTITUIR A DECISÃO E ASSEGURAR A REABERTURA DA INSTRUÇÃO. RECURSO PROVIDO. (Apelação Cível, Nº 50228068820198210010, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Moreno Pomar , Julgado em: 23-02-2024).

 

TJ-SP - Apelação Cível 337170420128260577 São José dos Campos Jurisprudência Acórdão publicado em 17/03/2022 Ementa: APELAÇÃO – AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL – INDEFERIMENTO DE PROVA TESTEMUNHAL - JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE - CERCEAMENTO DE DEFESA – OCORRÊNCIA – NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA – APLICAÇÃO DO TEMA 976 DO STJ EM SEDE DO RESP 1.643.856/SP – SENTENÇA ANULADA COM DETERMINAÇÃO – RECURSO PROVIDO. Trata-se de ação de responsabilidade civil visando à reparação de danos morais e materiais sofridos pela autora durante o cumprimento de medida de reintegração de posse da comunidade "Pinheirinho", em São José dos Campos. Alega a autora que houve abuso de direito no cumprimento da medida liminar de reintegração de posse, sendo-lhe devida a reparação. Além de prova documental juntada, pugnou a autora pela oitiva de prova testemunhal, o que lhe foi negado, havendo o julgamento antecipado da lide. Sentença de improcedência. PRELIMINAR – CERCEAMENTO DE DEFESA – OCORRÊNCIA – Em decorrência do julgamento antecipado da lide, a autora foi impedida de produzir as provas que poderiam demonstrar suas alegações. Imprescindibilidade da prova testemunhal para comprovação dos fatos aduzidos na inicial. COMPETÊNCIA – Aplicação da tese definida pelo Superior Tribunal de Justiça para o Tema 976. Necessidade de retorno dos autos à 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de São José dos Campos, órgão jurisdicional competente para conhecer do pedido, reabrindo-se a fase instrutória. Sentença anulada. Recurso da autora provido com determinação. Recurso adesivo da massa falida não conhecido.

 

[5] Parte-se de SOFISMA – Ex.: Quanto mais queijo (mais buracos no queijo) logo menos queijo. A técnica de lançamento de informações pela confusão e uso de sofismas deve ser combatida e punida com todo o rigor possível. – ALTERA-SE PELA DISTORÇAO ARGUMENTATIVA A REALIDADE DOS FATOS com a indevida finalidade de indução de um Julgador em erro.

[6] Direito Constitucional, Ed. Saraiva.

[7] A conhecida parêmia latina pas de nulitée sans grief que, em tradução literal e livre implica na ideia de que não haverá nulidade sem efetivo prejuízo processual como disposto, por exemplo, no artigo 282 CPC.

[8] Não se admite a produção de provas que sejam inúteis seja para comprovar fatos não controvertidos (se tem aí uma preclusão que seria lógica), ou para fatos públicos e notórios, ou para comprovar fatos da experiência comum quotidiana, que são por vezes chamadas de presunções juris hominis (por exemplo, a ideia que carros tendam a sair de curvas se nelas ingressarem em excesso de velocidade por fenômenos físicos de ajustes de energias centrífugas e centrípetas e por aí vai).

[9] A confiança justificada que as pessoas devam ter em relação às instituições e seu funcionamento – no caso específico do CPC se busca um resgaste do Poder Judiciário no papel carneluttiano de pacificação social.

[10] E são muitas delas no direito processual civil, por exemplo, as mencionadas no artigo 2.035, par. Único CC ou qualquer matéria de nulidade com fundamento no CDC

[11] Convém fixar que a eficácia infringente ou modificativa não pode ser direta, mas sim indireta, ou seja, se tem como perfeitamente viável que se interponha o recurso de embargos de declaração para que, na supressão de omissão, contradição ou obscuridade, se modifique a decisão embargada.

[12] Como exponho em minhas aulas, quando se é intimado para falar sobre embargos de declaração, portanto, há que se ter redobrada cautela na elaboração da peça eis que isso é indício de que o Magistrado se acha inclinado a prover tais embargos, tanto que não afastou o recurso de plano, e achou recomendável garantir o prévio contraditório.


 
 
 

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